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João Gilberto escapa de Georges Gachot em filme que captura paixões do cineasta suíço


“Somente João Gilberto escapou de mim”, admite Georges Gachot, em tom confessional, numa das das cenas iniciais de Onde está você, João Gilberto?, filme que tem estreia programada no Brasil para 23 de agosto após ter sido exibido em festivais ao longo deste ano de 2018.
Apaixonado pela música brasileira, o cineasta franco-suíço já lançou documentários personalíssimos inspirados pelo aroma da voz de Maria Bethânia (Música é perfume, de 2005) e pelo canto impressionista de Nana Caymmi (Rio Sonata, de 2010).
Após filme difuso de 2014 (O samba, de foco dividido entre Martinho da Vila, o Carnaval e o samba propriamente dito), Gachot volta ao tema preferido – a música do Brasil – neste documentário sobre a ausência tão presente de João Gilberto.
Desta vez, Gachot é a personagem principal. Porque o filme é mais sobre o refazimento do percurso do escritor e jornalista alemão Marc Fischer (1970 – 2011) na procura obsessiva por sinais de vida de João Gilberto do que propriamente sobre o gênio que há 60 anos apresentou a Bossa Nova ao mundo na célebre batida diferente do violão.
João Gilberto em show em 2008
Divulgação / Marcos Hermes
Escrito pelo próprio Gachot com Paolo Poloni, o roteiro do filme é baseado na narrativa feita por Marc Fischer nas páginas do livro alemão Ho-ba-la-lá – À procura de João Gilberto (2011), editado no Brasil em 2012.
Se narrativa de Fischer prende a atenção do leitor pela maestria com que foi montada, à moda dos quebra-cabeças decifrados por detetives, o roteiro de Onde está você, João Gilberto? tem bolsões de placidez que testam a paciência do espectador na caminhada rumo ao paradeiro ignorado do cantor, compositor e violonista baiano na cidade do Rio de Janeiro (RJ).
João Gilberto escapa da mira de Gachot, mas o filme captura a paixão, a obsessão e a sensibilidade do cineasta entre tomadas de um Rio nublado que extrapola a imagem de cartão postal. Como Marc Fischer, Gachot encontra boas histórias sobre João enquanto procura pelo papa da bossa.
As entrevistas com João Donato, Marcos Valle e Roberto Menescal rendem algumas dessas boas histórias. Menescal conta que, descontado encontro furtivo com João em aeroporto carioca, não fala desde 1962 com o compositor de Ho-ba-la-lá (1959), a música que despertou a paixão de Fischer por João.
Valle, que nunca cruzou pessoalmente com João, rememora a ocasião que, em festa na casa de João Bosco, acabou falando casualmente com João Gilberto ao telefone lhe passado por Almir Chediak (1950 – 2003). Já Donato – que parece morar em universo particular, tal como João – revela curiosidades da música, Minha saudade (1955), que ganhou letra de João, apresentada em disco em 1959.
O cineasta Georges Gachot em cena do filme ‘Onde está você, João Gilberto?’
Divulgação / Imovision
Em essência, Onde está você, João Gilberto? é filme sobre a solidão e o silêncio de uma obsessão. Ou de duas obsessões. A de Marc Fischer por João e a de Georges Gachot por Marc Fischer, cujo suicídio em 2011, ano da publicação do livro sobre a saga em busca do cantor, realimentou lenda sobre suposta maldição sofrida por quem entra à distância no jogo de sedução de João Gilberto.
A obsessão é tamanha que, ao refazer a busca de Fischer, Gachot também recorre a Rachel Balassiano, que encarnou a detetive Watson na narrativa do livro do escritor alemão (Rachel era Watson enquanto Fischer se denominava o próprio Sherlock). Mas é sozinho que, tal como Fischer, Gachot vai à cidade mineira de Diamantina (MG) em busca do banheiro que – reza a lenda – teria sido o cenário do burilamento obsessivo da batida diferente do violão de João.
Como Fischer, Gacho encontra o banheiro (com o qual se decepciona, em cenas que provocam riso) e também um amigo de João em Diamantina, Geraldo, testemunha ocular e auditiva de que, na juventude, João fazia serenatas que “não acordavam ninguém”.
Na volta ao Rio, o diretor-personagem se depara com os dribles do empresário de João, Otávio Terceiro, cujas tiradas hilárias injetam humor no roteiro. Musicalmente, Gachot reapresenta ao longo do filme a voz de João Gilberto em músicas gravadas em disco e em especiais de televisão.
De inédito, há somente o canto de Até quem sabe (João Donato e Lysias Ênio, 1973) na voz de Miúcha com o piano de Donato – encontro belo, mas dissociado da narrativa, embora os versos da canção revelem muito dos sentimentos dos amigos e admiradores distantes de João.
Ao fim do filme, fica a dúvida se Gachot encontra João Gilberto, ainda que atrás da porta de um hotel, ou se a cena não passa de truque de ficção em documentário alimentado por paixões do cineasta. Real ou fictício, o encontro jamais atenua a impressão de que João Gilberto, o mito, escapa de Georges Gachot pelas frestas, estando tão perto e ao mesmo tempo tão longe, mas sempre presente na ausência. (Cotação: * * * 1/2)

Editoria de Arte / G1
Fonte: http://g1.globo.com/dynamo/pop-arte/rss2.xml

Marcos Morrone

Nascido em São Paulo Capital. CEO do Grupo Morrone Comunicações Ltda.

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